Uma amiga folheava há dias o caderno dos meus primeiros recortes das crónicas e artigos que começava a publicar em jornais. Comigo ao lado, insistia em me convencer de que aqueles escritos tinham interesse, ainda eram actuais, quando eu via amarelecidos e ressequidos os velhos papéis. Ela parou então numa página e leu em voz alta o primeiro parágrafo.
Eu aplaudia ali o que a prática desportiva tinha de salutar advertindo porém que no futebol não temos resumido todo o Desporto. Aliás, o futebol não pode ser considerado como espectáculo por multidões sentadas vendo a correr no campo os seus reais praticantes, jogadores profissionais. Logo, sobram espectadores e escasseiam praticantes das diversas modalidades desportivas, amadores autênticos capazes de experimentar o prazer do jogo.
“Isto é perfeitamente actual ou não?” - exclamou, vitoriosa, a minha leitora. Abanei a cabeça sem botar palavra. Aquela prezada amiga tinha razão mas só eu podia medir quanta razão lhe faltava!
Realmente, defendo tais ideias e opiniões desde sempre, ou seja, desde que entrei a publicar na imprensa. Ora, quando escrevi os textos guardados naquele primeiro caderno ia nos 21 ou 22 anos de idade e hoje estou nos 85, à distância de uns 63 anos…
Posso medir toda a distância contida nestes anos. Em 1951-52, Lisboa tinha o Estádio Nacional inaugurado em 1944, no “Dia da Raça” salazarista, e o futebol merecia uma singela meia página à segunda-feira nos diários (ainda não tabloides) e uma única foto. Hoje é como se sabe e se vê, uma farturinha de estádios e de futebois, de estridentes “academias”, treinadores, especta-comentadores.
O 25 de Abril permitiu ao país ter, conforme entenderam as inteligências da época, “finalmente, futebol com liberdade” e depois, já com o país bem abastecido de estádios a mais, um jornal dito de referência ergueu em parangonas os heróis dos estádios à categoria de “deuses”. É verdade, opinar que o futebol, assim como outras modalidades desportivas, não deve servir como espectáculo, até parece ter hoje bastante mais actualidade do que há sessenta anos. Mas, nesse caso, levanta-se a questão: que valor tem, ou pode ter, a palavra impressa?
Aparentemente, nenhum. O texto permaneceu “actual” ao revelar a sua provada inutilidade perante factos concretizados, o mundo a girar. Neste caso, resta-nos desejar que os “deuses” do futebol, possuídos por uma santíssima determinação, decidam entrar em greve geral por tempo indeterminado para resgatar os cidadãos da passividade e acabar com tão pobre cenário.
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