Estará então a eclodir em Portugal um radioso período de criatividade literária tão extraordinária e feliz ao ponto de envolver não apenas os próprios autores mas também, como que por milagre, os seus leitores, agora, por fim, de cultura e educação estética mais refinadas? Seria bom, muito bom, se fosse verdade. Mas, atenção, porque se pronuncia António Guerreiro contra tanta “promoção” das leituras e vendas em curso?
Guerreiro até vai mais longe. Na última crónica inserida na sua coluna (“Estação meteorológica”, rev. Ípsilon, “Público”, 12-06-15), expressivamente titulada “Menos literatura, por favor”, escreve: “Este discurso da ‘promoção’ da literatura e do livro está certamente cheio de boas intenções, mas em nada se distingue do departamento comercial de uma grande editora.” Continua: “Se as multidões que acorrem aos festivais literários e outras manifestações onde se exalta o valor de certos livros e da literatura criassem uma verdadeira esfera pública literária, a grande república das letras estaria resplandecente.”
Leio habitualmente a coluna de António Guerreiro com interesse e agora com franco aplauso pelo que vem em seguida: “Ora, o que se passa é exactamente o contrário: dando meios à mediocridade cultural, a única coisa que se consegue é amplificar a mediocridade. E o público (…) sente-se legitimado pela convicção de que se ocupa de problemas importantes e aparentemente sofisticados.”
Saúdo com especial apreço estas afirmações (suscitadas por opinião de quem está a responder pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas) e que levam Guerreiro a propor a “despromoção” de tanto festival literário. São ainda escassas, parece-me, atitudes com este rasgo e clarividência, apesar de continuar em expansão a banalização dos livros que sufoca o mercado, a indústria dos best-sellers e da designada literatura light radicada no seu artesanato contador de histórias quando já não restam histórias novas para contar sem que haja coragem e arte para falar da vida real no mundo de hoje. Por mim, lembro que em 1994, quando os efeitos nefastos da cultura de massas se evidenciavam, adverti num “manifesto” as consequências previsíveis do que iria atingir a Literatura que mais nos interessa… e não me enganei. [Foto: flor de batata: originária da América, de onde a trouxeram os navegadores; os povos europeus admiraram longo tempo a garridice vegetal da planta, desaproveitando o valor nutricional do tubérculo, o “conteúdo”.]
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