É bem verdadeiro o meu gosto por reencontrar os companheiros do nosso jornal e por trocar com eles um abraço. Partilhámos experiências, vida vivida e mesmo algum sonho. Mas confesso que duvido se alguns dos meus velhos companheiros terão tanto gosto quanto eu pelo reencontro e o abraço que nos poderemos dar.
Naturalmente, no jornal tal como em convívio gratificante, criam-se subgrupos dentro do grupo pela força de correntes espontâneas que crescem em liberdade. Serão expressão de simpatias pessoais compartilhadas, afinidades ou de outro «algo» humano que por vezes resiste ao entendimento, ou resultantes de simples desencontros ocasionais. Mas o facto é que «passei» pelo JN sem levar dali a lembrança de uma relação de amizade digna desse nome.
Assinalo somente o pormenor (com autocrítica: corria demais naquele tempo, logo sem tempo para acamaradar?), reconhecendo porém que me congratulo deveras com estimas ou simples considerações pessoais que sinto merecer de antigos camaradas para mim especiais. Na verdade, dei-me sem restrições ao nosso Jornal. Comecei a colaborar nas suas colunas bastante cedo, em 1954, no designado «Suplemento Literário» coordenado pelo dr. António Ramos de Almeida e, em 1960, por convite do director Manuel Pacheco Miranda, como cronista semanal e logo, em 1963, num passo seguinte, encetei paralelamente a profissão.
Escolhi-a desistindo de um lugar em biblioteca itinerante da Gulbenkian, em Chaves, que me foi proposto em dia frígido, de intenso nevão. Recusei-o e optei por me fixar no Porto. Já tinha livros publicados, algum nome literário, bons relacionamentos no meio portuense, e o jornalismo aproximava-me do que mais queria - escrever.
Tive que pagar a factura: os jornalistas tarimbados olharam-me como «literato», isto é, de algum modo, como um intruso, duvidosos se eu seria capaz de escrever uma notícia chapa cinco, uma reportagem convincente ou de fazer uma entrevista e, entre os escritores, só uns poucos acharam que terei dado algum brilho à profissão.
O Jornal morava na Avenida dos Aliados. Chefe de Redacção era o sr. Brochado; passava o tempo com novelas policiais. O subchefe, Manuel Ramos, o nosso familiar Raminhos, sempre em luta com a Censura, de manguitos enfiados até aos cotovelos, encarregava-se do expediente.
Foi abreviado aquele meu primeiro período de serviço no JN. Em Junho de 1964, a PIDE quis obsequiar-me com três meses de clausura e no regresso encontrei o ambiente geral muito carregado de antigamente, o que acabou por me empurrar para a demissão. Voltei após a democratização, em 1978. Permaneci até sair (em 1992) na «Cultura» (como editor, quando esta figura ainda não existia no país), secção que surgiu, pequenina, mas depois botou corpo.
Fui cronista regular (semanal) em diversas ocasiões - trabalho de casa, pura oferta. Fiz de tudo quanto um jornal daqueles precisava, afora, é claro, o desporto, praticando abundantemente nas suas páginas a cartilha dos géneros redactoriais. Cheguei a crer que pequei por excesso, ao ponto de cair - erro crasso! - em dizer um dia ao então director: «Gosto tanto disto que até pagava para o fazer!»
Mas, vejamos, se não estamos apaixonadamente na profissão, que sentido terá a nossa vida? Lembro o filósofo: «Escolha um trabalho que ame e não terá que trabalhar um único dia na sua vida.» Enfim, tudo aquilo já se dilui num passado que pouco ou nada interessa, pelo que torno ao filósofo para assentar: «É fácil apagar as pegadas; difícil é caminhar sem pisar o chão.»
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