terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A tineta da Crónica


Os leitores que acompanham de algum modo o que tenho vindo a publicar conhecem-me a tineta: parece que fiquei amarrado com juras de amor eterno à Crónica. O Conto e outros géneros literários também aparecem na minha bibliografia mas, ai de mim, é a Crónica que sobressai no conjunto. Ora isto não serve para graduar um autor pois, como muito bem realçou o amigo Arnaldo Saraiva na apresentação que estou a lembrar de obra de um conceituado cronista brasileiro, apenas o Romance pode distinguir o escritor com o autêntico selo literário.

Flores,Açores.jpgIgnoro se o autor brasileiro, ali presente, engoliu em seco. Eu concordei de boamente, conformado com a modéstia da condição que aliás reivindico, percebendo no entanto que nesse ponto exacto coloco a pedra angular do que é e vale para mim a Literatura. Afinal - e aqui está o busílis – importa-me tão pouco ser escritor distinguido na feira das vaidades!
Venho de um tempo em que os autores, incluídos os principais, quase pareciam fugir da “visibilidade” que os autores de hoje tanto perseguem. Colocavam-se por trás do que escreviam, esperando que os seus trabalhos circulassem e brilhassem, não a própria pessoa escrevente recolhida em penates. Os escritores dispensavam-se então de acções de public relations, isto é, de circular em postura bem falante e poses mediáticas porque a Literatura não existia ainda como espectáculo nesta sociedade que tudo mercantiliza (outrora acontecia isto: Jorge Amado causou escândalo porque perguntou ao seu editor, F. Lyon de Castro, à chegada ao aeroporto da Portela, se os seus livros vendiam bem – e ainda não chegara a Gabriela Cravo e Canela).
Virei contra mim a fragmentação que, página a página (centenas e centenas, de espetactor no seu mundo),  andei a praticar levado nas ondas de um entusiasmo, uma respiração voluntarista que me afastou sempre da realização de obra de largo fôlego (o romance). Quer dizer, não produzi volume memorável, negligenciei a famosa “visibilidade”. Realmente, muito pouco me interessou ganhar - ganhar fama, protagonismo, dinheiro, honrarias – e, muito mais, seguir a minha estrela.
Todavia, não lamento coisa nenhuma neste percurso; ao invés, apraz-me provir de um tempo em que os bons escritores eram remunerados conforme o que escreviam, de maneira que posso agora perceber quanto dano causou a vulgarização que banalizou a Literatura. Sim, agora há muitos mais autores mas o número dos autores presentes no mercado e em concorrência acesa aumentou paralelamente, provocando uma diminuição geral do valor dos seus trabalhos e expandindo o costume (vicioso) das colaborações não pagas. Ganhar “visibilidade” na praça, exibir a “marca” que é o nome de cada autor tornou-se investimento difícil mas vital como garantia de futuro…

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Arsénio:
Se o nosso amigo Arnaldo Saraiva o diz, quem sou para desdizer?
Mas a verdade é que gosto muito de crónicas, das tuas em especial.
Há meses, em conversa com uma "Autora" de 2 livros que tentava "colocar", folheando-os, e perante a visível falta de qualidade, perguntei-lhe que autores ela mais lia. Respondeu-me que não lia(...). Despedi-me sugerindo-lhe que para cada um que escrevesse deveria ler pelo menos mil.
Forte abraço,
Rui

Arsenio Mota disse...

Caro Amigo Rui:
Se me dás licença, eu diria que a leitura de mil livros é pouca para quem se pretenda Autor. Precisamos de ler, ler e ler desde muito cedo, o mais cedo possível, e pela vida fora. Sim, ler os bons autores! Com eles aprendemos a formar o gosto e a sentir a beleza da língua, o que é Literatura.
O episódio que contas é amostra expressiva da invasão de «novos autores»... amadores. Ao ponto que nós chegamos! Espantoso.
Agradeço e retribuo abraço.

Anónimo disse...

Tens toda a razão!
mais um abraço,
Rui