segunda-feira, 11 de julho de 2011

Cânone literário vem aí

Ao que parece, vai finalmente avançar e concretizar-se a elaboração do  «cânone literário português». O projeto tem o apoio declarado de meios universitários ligados à docência do Português, ou seja, à formação dos professores do ensino secundário e básico daquela área. Objetivo: definir uma lista das obras referenciais de autores portugueses e estrangeiros para crianças e obras também para jovens e adultos, por escolha o mais possível consensual de  especialistas e círculos cultos.
O «cânone» será, pois, uma espécie de «antologia geral» e desde logo não atida apenas aos autores nacionais, entendendo que o nosso país não é estanque pois a cultura portuguesa é, tal como qualquer outra, alfobre fertilizado por trocas com outras variadas culturas. Destina-se a estabelecer um conjunto de textos literários para responder a necessidades do ensino de todos os níveis, do básico ao superior, e ficará sobretudo a valer como espelho da nossa cultura. Poderá resolver muita confusão e polémica, além de objetivar as obras identificadas com mérito reconhecido para, em tradução, merecerem divulgação além-fronteiras.
Na área da literatura para crianças, a elaboração do «cânone literário português» evoca de certo modo, enquanto mero embrião, o lugar do PNL (Plano Nacional de Leitura). Trata-se de listar as obras que um grupo de apreciadores propõe para animar a campanha oficial da promoção da literacia sob a divisa Ler+. Caso o primeiro projeto, do «cânone», se concretize, o PNL poderá perder o seu lugar.
Encaro com expectativa esta evolução. É preciso proceder à recuperação de autores e obras  portuguesas ou em português que os frenesins de uma indústria cultural e uma política educativa  cegueta, em conjunção, condenam ao limbo. Apareça, pois, e implante-se no país um elemento de clivagem formado por  valores marcantes e por noções firmes do que é arte literária para que esta se demarque do que não passe de medíocre comércio literário.
A Literatura é, consabidamente, uma arte exigente e difícil. Quem com ela vive em prática longa e amorosa só pode desconfiar ou maravilhar-se com as mil e tal novas edições de livros  que em avalancha mensal se repetem neste pequeno rectângulo em crise. Irrompem batalhões de novos autores, multiplicam-se as editoras, reduzem-se drasticamente as tiragens, circulam edições pagas pelos autores (mas exibindo chancela tapa-olhos) e o delírio vai em frente.
Montes de livros espalham-se por supermercados, estações de correios, barracas de saldos, feiras em tropel. Rimas de romances envelhecem num instante, edições para leitores infantis ou juvenis enchem catálogos e armazéns de tantíssimas editoras que não querem perder o mercado... E quem lembra agora que a literatura para crianças é sem dúvida, porque tem de ser, a mais espinhosa e difícil?
Mas agora me lembro de um editor que há dez anos repetia: «quem vende os livros são os autores». Tinha razão: os autores, novos ou menos novos, palmilham o terreno metro a metro na promoção das suas obras porque não vêem outra saída. Obras essas, não por acaso, ilustradas com bonecadas giríssimas e historinhas cada vez mais alinhadas pelo levezinho-engraçadinho, isto é, concorrendo para o facilzinho que é o que mais está a dar.

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