domingo, 1 de abril de 2012

Informação suja

Que género de formação receberam os estudantes de jornalismo saídos dos cursos com diploma na mão e agora a trabalhar nas redações? Ouço a rádio, vejo televisão, leio jornais e o escândalo invade-me. Que informação, que jornalismo corre atualmente pelos canais?
Tanto quanto sei, quando os primeiros cursos superiores desta profissão nas suas variadas vertentes surgiram em Portugal (isto é, após a democratização, por volta de 1980), a formação não dispensava Deontologia e mesmo disciplina de Ética. As exigências das normas e regras aprendidas faziam-se sentir, naturalmente, logo que os profissionais da informação entravam ao serviço sob a alçada de um Conselho Deontológico. Uma dessas normas básicas, a mais imperativa, consistia em ouvir sem qualquer exclusão as partes envolvidas num dado conflito e, se houvesse que emitir opinião sobre o caso, o jornalista deveria assinalar claramente que era isso mesmo, uma opinião... justificável.
Nuns trinta anos, período de uma geração, operou-se uma viragem brutal. A subversão que varreu para fora da porta ética e deontologia e que obrigou os jornalistas a aceitar empregos precários e sem direitos foi acompanhada pela concentração, em boas mãos, dos órgãos de comunicação social. Implantou-se, nestas condições, a verdade única, o jornalismo tendencioso, a informação suja (tendenciosa, manipuladora, prostituída).
Não mais se cuidou, com autêntica isenção, de ouvir as partes envolvidas em cada história, de separar com nitidez o facto da opinião e oferecer informação clara e credível. Os colaboradores independentes, incómodos, foram banidos dos seus órgãos na peugada dos jornalistas da velha guarda com brio profissional e nome respeitado. A narrativa jornalística passou a reproduzir quase mecanicamente a versão que o lado mais forte punha a correr.
Os golpes do 11 de setembro ricochetearam na Europa, provocando desavenças étnicas internas sangrentas e destruidoras que levaram à fragmentação da Jugoslávia. Depois da agressão ao Iraque, houve a bendita «primavera árabe». As facções iraquianas digladiavam-se em guerras intestinas enquanto tunisinos e egípcios enchiam as praças  reclamando, à semelhança de sérvios e bósnios, pelo que não têm e lhes foi prometido.
Bem instalada (embebida) a informação no registo único, preparado estava o cenário que tornou invisível a divisão em dois do Sudão e chegou para justificar a agressão à Líbia. Os insurrectos que desencadeavam ali uma guerra civil eram os heróis da comunicação social, abrindo caminho para a façanha seguinte, contra a Síria. No quadro do Médio Oriente, a  negra sorte da Palestina varrida do mapa já era chaga velha, crónica e sem cura.
Assim se espalhou a insegurança e uma geral ânsia de pacificação. Veja-se o Kosovo «independente» ou a Tunísia às voltas em busca do seu destino tal como o Egito, a Líbia, o Sudão... e o Iraque, e Israel, e o Irão? Os princípios da honra humana, da legalidade e da justiça andam hoje tão subvertidos que os defensores da democracia e dos direitos humanos até já parecem iguais, senão piores, do que os regimes e os políticos ditos criminosos que combatem de armas na mão e que, atacados, se defendem.

2 comentários:

Tripalium disse...

Sem dúvida. A comunicação social está cada vez mais...comercial. O longo braço da(s) "mão(s)invisível(is)" mercantilizou (também) a informação, como vector da intoxicação neoliberal, logo, da precarização (e consequente submissão e dependência) do trabalho do trabalho dos jornalistas.
João Fraga

A. M. disse...

Na verdade, a comunicação social,especialmente os jornais, estão a desacreditar-se com rapidez, ao ponto de em breve quase todos se extinguirem por falta de leitores. Isso é evidente. O que a crónica pretende salientar, acima de tudo, é a quantidade e o valor significativo da informação escamoteada, por tanto escondida, do que vai ocorrendo no plano da actualidade (a nossa e a geral).
E já agora, agradecendo visita e comentário, felicitações para o blogue Tripalium e o seu editor!