terça-feira, 10 de julho de 2012

Vamos juntos


Acontece tão pouca coisa realmente nova em certos dias que um homem tem tempo para contar os botões da camisa. Se o homem está no desemprego, sobeja-lhe o tempo para refletir. As ideias correm-lhe pela cabeça, agarram-se em cachos umas às outras e o fulano, parado e a sós consigo mesmo, imagina que «o mundo pula e avança como bola colorida nos pés de uma criança»...
Enquanto esteve empregado, viu crescer o desemprego em volta. Continuou, porém, a sentir-se confortável porque o seu lugar parecia garantido, tudo ia bem. Agora percebe a ilusão que o cegava: cada pessoa que perdia o emprego era mais uma ameaça que se acrescentava ao risco da perda do seu próprio trabalho.
Acabou também no desemprego, envolvido no rol do milhão e duzentos mil, a rilhar os dentes na falta de dinheiro para a compra do indispensável. Lançado na situação desgraçada em que antes via os outros, da qual ele imaginou poder livrar-se com esperteza, obediência  e bom serviço, humildade quanto baste. Mas de nada lhe valeram os seus talentos e sacrifícios, acreditando ingenuamente que ali era necessário, considerado, serviçal.
A sua ingenuidade, afinal, foi a de tantos outros também postos na rua logo que o patrão  isso mandou, estava agora a percebê-lo. E, como eles, sempre cego, ceguinho de todo para o grave perigo em que iam ficando eles, os empregados, que viam crescer o desemprego. Agora sim, era evidente o facto: vamos juntos no mesmo barco.
Lição custosa de engolir. Porque houve ocasião e motivo forte para os empregados  manifestarem solidariedade com os despedidos, solidariedade a sério, e houve pouca ou nenhuma solidariedade. A pensar tolamente que os problemas de uns não eram, ou iam ser, os problemas de todos, quer dizer, como se os patrões os empregassem não pelo lucro que lhes davam mas pelos seus lindos olhos. 
E por este caminho chegava a outra reflexão bem pior, mais dura de trincar. O crescimento do desemprego fez baixar mais e mais os salários. Baixou-os até aos níveis da miséria e da precariedade atual. Conclusão: todos os empregados, um a um, devem unir-se sempre na defesa e na proteção do trabalho com direitos para não caírem em desgraça.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Arsénio:
Tão claro, como é que há ainda tanta gente que não vê...
Pormenor: porque colocaste aspas, certamente querias ser rigoroso com António Gedeão (Movimento Perpétuo, 1956) «...o mundo pula e avança/ como bola colorida/ entre as mãos de uma criança».
(Não admira a troca: com tanto futebol no último mês!)
Abraço grande,
Rui

Arsenio Mota disse...

Amigo Rui:
Eu citei Gedeão de memória. E tu, com muito melhor disposição, corriges-me. Até referes a data da edição do livro! Assim fica acertada a métrica do último verso. Agradeço a atenção, ó revisor apurado, e retribuo abraço.