O campo da edição literária deu uma grande volta e continua a mexer no terreno multiplicando as consequências implicadas. Eu, como qualquer autor idoso, venho acompanhando (isto é, estranhando) as evoluções e mudanças que ocorrem na área. Ora hoje assinalo a maravilha a que chegamos: há editores que já vão ao ponto de “fazer” novos escritores!
Dantes, eram os autores de obras principais que faziam prosperar os editores, dando-lhes futuro. Todos sonhavam com eles, ambicionando ver algum dos maiores entrar-lhes pela porta. Todavia, os ditames do deus-mercado impõem agora outros mandamentos.
Vai-se tornando “normal” que um editor contacte um autor para lhe propor a aceitação de uma encomenda. Quer escrever um livro sobre um dado tema de palpitante actualidade ou sensacional escândalo, que venda muito e depressa, seja um romance, um estudo, uma entrevista? O autor (novato, naturalmente) embarca no convite que porá a soar o seu escasso nome na praça literária e ganhar, escrevendo, um bom dinheiro.
Deste modo, é o próprio mercado que, através do editor, coloca o autor a trabalhar por encomenda na directa dependência da lógica dos interesses comerciais envolvidos. O editor escolhe o “tarefeiro” e, à americana, não se limita a contratá-lo para a tarefa: fornece-lhe pistas, indicações, ajudas várias; orienta-o e por fim até poderá compor-lhe o escrito. O autor passa a escrever em absoluta dependência do mercado.
Evidentemente, vai crescendo o número de autores que almejam ser “escritores” em condições de viverem do seu trabalho de escrita. Objectivo este aceitável mas que em contrapartida os prende às flutuações do mercado, dos gostos massificados e da cultura de consumo de bens efémeros. Dilui-se por completo a independência do autor, a sua pessoal criatividade e alguma dignidade.
Outras consequências substanciais acompanham a perda da liberdade de iniciativa do autor (e uma, relevante, consiste em permitir que o editor seja um real co-autor omisso). Não escreve apenas por tarefa, escreve também por encomenda. Não elabora o livro que considera necessário, abstém-se, optando pelo sucesso fácil quase garantido.
Publicar no mercado editorial o que o mercado está pronto a absorver acaba por ser viciante. O autor, sintonizado com o marketing, seguirá inspirado pela escrita de sucesso fácil. Para ele, que quer sido lido de urgência, literatura para minorias é elitismo, inutilidade.
Lamentável é ver depois as leituras que mais circulam no mercado, produzidas pelos autores das grandes vendas. Abundam de literatura popular assumidamente descartável, simples verbos de encher. Escondem, porém, sob mantos de silêncio e de invisibilidade a literatura viva, autêntica, que nos falta.
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