quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Quanto vale o conteúdo


Quando o Museu do Neo-Realismo abriu, há sete anos, desfraldou ao vento a sua bandeira. Estive lá, em Vila Franca de Xira, naquele dia, com um grupo de amigos, na massa que encheu completamente a entrada, patamar e imediações, interrompendo o trânsito da artéria central. Porém, só hoje me detenho a considerar o preceito máximo que a “bandeira” da instituição passou desde então a servir.
Realmente, circunstância várias adiaram o meu encontro com o livro então publicado e que marcou a abertura do Museu. O preceito maior do Museu, a sua “bandeira”, aparece desde logo enunciado no próprio título da assinalada edição - Batalha pelo Conteúdo -, grosso volume encadernado, com sobrecapa, quinhentas páginas com apurado grafismo e copiosa documentação. O subtítulo focaliza o tema: Movimento neo-realista português.
Esta magnífica edição acompanhou a exposição documental permanente desde então ali visitável mas ficou sem dúvida a valer muito para além dela. Vale como abordagem de referência incontornável: abarca as vertentes gerais do movimento com expressões que vão da literatura ao teatro, do cinema à pintura, da música à história e à filosofia. Com esta visão englobante, Batalha pelo Conteúdo procede a balanço, análise e interpretação do património, inclusive humanístico, deixado entre nós pelo neo-realismo de forma perfeitamente inovadora.
Neste sentido, avulta a parte ensaística do volume: inclui doze autores, o primeiro dos quais é António Pedro Pita, seguindo-se Vítor Viçoso, Fernando Pinto do Amaral, David Santos, Raquel Henriques da Silva, Bárbara Coutinho, Miguel Falcão, Jorge Leitão Ramos, Emília Tavares, Manuel Deniz Silva, Natália Bebiano e João Madeira. Pedro Pita, actual director científico do Museu, sumaria em 25 pp uma aturada revisão dos seus estudos anteriores sobre o neo-realismo e os outros autores abordam a ficção narrativa, a poesia, a pintura, a arquitectura, o teatro, a fotografia, a música…
Abrindo Ensaios, David Santos e António Mota Redol justificam (p. 15) “a palavra ‘Batalha’ [no título; que], apesar da sua conotação belicista, hoje quase politicamente incorrecta, evoca aqui sobretudo um sentido de resistência e solidariedade humanas que não deve cair no esquecimento, sob pena de um retrocesso de resultados sociais inimagináveis.” Esta parte da edição vai até pp. 331, ocupando portanto mais de metade da obra. A seguir vem a parte catalogal da exposição, muito ilustrada.
Este blogue, desde que nasceu há seis anos, alinha com a “bandeira” assim desfraldada por Batalha pelo Conteúdo, obra publicada em 2007. Também aqui se reivindica o compromisso da cultura e da arte com a envolvência social, por um humanismo vivo e autêntico. Contra o jornalismo manipulador e subserviente ou a alienante literatura dos fabricantes de best-sellers.
Enfim, pelo seu grande formato e espessura, a obra não nos cabe nas mãos; pesa em demasia. Mas é pena. O valor do conteúdo devia torná-la mais manuseável; tem óbvia actualidade, de modo que não pode adormecer nas estantes. [Imagem: capa da edição conjunta (em 1944?) dos três romances iniciais de Alves Redol.]

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