quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

António Menano, pintor

As pinturas de António Menano parecem convidar quem as vê de olhos lavados a crer que essas pinturas são coisas simples, digamos como haikus espontâneos que saltam de uma pródiga boca falante e ficam no ar, brilhando quais pérolas naturais em suspensão. As coisas elementares parecem simples, e sê-lo-ão enquanto sobre elas a inteligência não se debruça a esmiuçar, porque então um haiku espontâneo, por exemplo, envolve-se em todo o seu poético mistério.
No fim de contas, acordaremos, como quem estremunha, que na realidade são exactamente as coisas que temos como as mais elementares as mais simples e poéticas, que se revelam no entanto as mais complicadas, isto é, mais complexas, indefiníveis, inesgotáveis. Decerto por isso mesmo, as coisas elementares são as mais resistentes à penetração indagadora. A pintura, a arte em geral, ostentam deste modo a simplicidade das coisas aparentemente complicadas e, ao mesmo tempo, a complicação das coisas aparentemente simples.
As pinturas de António Menano surgem-me também como vindas de um ponto qualquer, ambíguo e todavia conhecido e mesmo familiar, que comigo, connosco facilmente comunicam com a eficácia de um cúmplice piscar de olhos. O fenómeno deve-se sem dúvida à forma hábil como cada quadro “acontece” a este artista, que por sinal gosta de pintar ao ar livre e com luz diurna. A composição, em António Menano, podendo ser muito instintiva, é sempre certeira, sem incómodo por qualquer aproximação eventual à bad painting. As suas tintas e cores atingem as telas com o impulso interior de um espirro solto, as texturas organizam-se onde o conjunto as requer - e tudo isso com a autenticidade inconfundível dos sentimentos fortes que apelam veementemente à plena expansão. O artista, nos seus quadros, está consigo mesmo para melhor estar com o mundo.
Provavelmente, o “segredo” mais íntimo das pinturas de Menano (um amigo que acompanho desde 1963 e que tem escrito e publicado abundantes obras de poesia e ficção pondo por extenso o seu nome: António Augusto Menano) consistirá numa espécie de juízo suspenso afinal tão característico do nosso tempo. Vai sendo cada vez mais difícil lidar sem vacilação com opiniões firmes e definitivas acerca de muitas questões principais que a todos nos afligem. Ora, enquanto pinta, António Menano parece manter o juízo suspenso. Felizmente, digo eu, porque é assim, por alguma fresta da sua vontade, em jeito de quem joga, que a pintura lhe acontece.
Oxalá continue consigo e connosco! [Foto: A. A. Menano autografa Memória da Luz, antologia com inéditos, 2014; assinala os seus 50 anos de poesia.]

2 comentários:

Anónimo disse...

É sempre bom um amigo falar-nos bem de outro amigo...
Em breve tê-lo-emos de novo na UNICEPE, com mais quadros, a pretexto da sua antologia "Memória da Luz". Grande abraço, caríssimo Arsénio,
Rui

Arsénio Mota disse...

Caro amigo Rui:
Grande novidade, essa! Obrigado. Não sabia que o amigo Menano prepara uma vinda ao Porto, à UNICEPE, trazendo o seu livro-antologia e algumas das suas pinturas. Oxalá que venha em breve!