Tenho um amigo a ferver de indignação, pronto a explodir em revolta acesa. Tal como a tantos outros comeram-lhe, além dos subsídios, um pedaço da sua pensão. E, oh espanto em cima de espanto!, preparam-se para continuar a comer com imenso à vontade e declarada desfaçatez.
O percurso existencial e profissional daquele amigo tem alguma semelhança com o meu (jornalismo, literatura, livros), daí o confronto que ele faz dos nossos casos. Talvez procure consolação mas termina cada conversa a espirrar desespero. É mais novo, nasceu uma dezena de anos depois...
Evidentemente, toda a pessoa de boa fé reconhece sem hesitar o direito que nos assiste à indignação e mesmo à revolta. Estamos a ser espoliados - ilegalmente, imoralmente - de uma parte da pensão, palavra esta cuja semântica, neste caso, requer explicitação para lhe realçar o significado: pensão é renda vitalícia, foro, encargo, ónus, pois o vocábulo deriva de pensione = «pagamento». É, portanto, um direito essencial para o trabalhador usufruir quando as forças o abandonam e chega ao crepúsculo da vida.
Pagou esse direito mês a mês, ano a ano, sem regatear e por fim o receber tão proporcional quanto o pagou. Mas até neste ponto o meu amigo se encrespa, lembrando o período que dedicou a traduzir livros para editoras (antes do 25 de Abril) em que pagou Imposto Profissional sem usufruir da mínima contrapartida. E lembra bem: eu e outros tradutores pagámos o imposto, abrangidos por equiparação a profissão liberal.
Quer isto dizer - clama e reclama o meu amigo - que pagámos bem pagas as nossas reformas, assim negando o que afirmou o tagarela governante. O Estado não nos dá nada que não tenhamos entregado confiadamente, por imposição da lei, à sua guarda, assumindo connosco uma dívida... de honra. E o Estado é a tal «pessoa de bem», ou não é?
Parece que o governo, administrador do Estado, tem opinião diversa e avisa sem descanso que a Caixa Nacional de Pensões vai falir. Ouvindo-o, o meu amigo explode. Aos berros, aponta uma lista de factos como se para mim fossem novos, como se eu ignorasse os saques e outros desmandos que têm comido o bolo amassado com o suor dos descontos obrigatórios, isto é, como se eu não tivesse aturado a ditadura, vivido o processo da democratização e esteja só agora a aturar uns rapazinhos saídos da catequese neoliberal...
1 comentário:
Só não vê quem não quer ver...
Abraço,
Rui
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