Entre os poetas líricos temos alguns que, sendo como todos os líricos, se inclinam por vezes para a poesia social. São poetas militantes, marcadamente solidários com o povo, prontos para misturar a sua voz poética nos ardores das lutas colectivas em defesa das causas nobres. Os aplausos populares, vivos e entusiásticos, que os rodeiam contrastam de imediato com a sanha dos tiranos que os metem nas suas masmorras, os torturam e mandam para o exílio.
A um período especial de tiranias pertencem três poetas do século XX merecedores de especial evocação. O primeiro surge em Caracas, Venezuela, e ali ficou a avultar como herói nacional. Andrés Eloy Blanco (1896-1955) é o celebrado autor de Barco de Piedra, 1937, poemas compostos entre 1928-32 em diversos cárceres nacionais.
Aquele país, à semelhança de tantos outros na América Latina, conheceu então déspotas e tiranos, ditadores e carrascos, políticos e regimes detestáveis. O título do livro proclama, por sinédoque evidente logo bem recebida nos dois lados do Atlântico, que regimes execráveis não teriam futuro, depressa se afundariam. Por desgraça, nos anos ’30 e posteriores, não eram os povos latino-americanos os únicos atingidos pelos horrores da repressão ditatorial permitida pela abolição da liberdade e da democracia.
A metáfora contida no título de Andrés Eloy Blanco foi retomada em seguida por outros poetas também erguidos contra a tirania e a barbárie. Celso Emilio Ferreiro (1912-1979) publicou Longa Noite de Pedra em 1962, em protesto contra o regime franquista que sufocava a sua Galiza natal, forçando-o ao exílio na Venezuela. A “noite de pedra” seria agora a situação dos Galegos oprimidos por um ditador que maltratava o seu próprio povo.
Uma outra obra de Celso Emilio Ferreiro, galeguista assumido, evocarei a propósito (extraindo a imagem da capa do site do poeta). É Autoescolha Poética, publicada por Razão Actual, no Porto, em 1972, recolha de poemas de 1954-1971. Aquela minha editora editou obras de outro poeta galego, Manuel Maria [F. Teixeiro] na norma galega então vigente.
Mas, entretanto, aos Portugueses, sob Salazar, não sorria melhor sorte. Luís Veiga Leitão (1912-1987) publicou Noite de Pedra em 1955, depois aumentada e reeditada em Ciclo de Pedras, 1964. Neste ponto, importaria averiguar quão original terá sido cada variante do título inicial e se foi inicial, mas é trabalho que excede em extensão o braço que isto escreve. Porém, assim se consagrou a pedra, ou noite de pedra, como metáfora de cárceres políticos ou ambientes repressivos, emparedados e frios como os regimes ditatoriais que os utilizam… então e sempre. [Capa da 1ª ed. de Barco de Piedra, comprada em 1957 - Caracas.]
2 comentários:
A pedra também pode funcionar como metáfora para o silêncio que abafa as vozes discordantes. Desses três arautos da poesia da resistência só conheço, infelizmente, o Luis Veiga Leitão. Mas todos eles, certamente, usaram as palavras como balas apontadas à cabeça de quem os oprimia e os negava. Luis Veiga Leitão foi realmente um poeta insubmisso, que sofreu "muros, paredes, planos de ocultamento". São homens destes que iluminam com o seu exemplo os caminhos da dignidade e da justiça. "Vou numa multidão a cachoar./É o Rio Grande que sobe na rua./Camisas no ar, chapéus no ar,/uma alegria que se despe...Nua./ E vou na multidão ... Mas logo/sem crinas, sem freios, sem selas,/rosas brancas nos flancos suados,/cascos batendo em todas as janelas/e portas e portões forrados... (poema Libertação, do livro Noite de Pedra). .
Belo comentário.
Muito obrigado por ele, Amigo!
Abraço.
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