Outras obras, não só Húmus, também permanecem nos circuitos da leitura, tais como O Pobre de Pedir, A Morte do Palhaço e outras, a exemplo dos textos de Teatro, mas eu aposto que Raul Brandão (Foz do Douro, 1867-Lisboa, 1930) é mais lembrado como autor de Os Pescadores. É a sua obra verdadeiramente emblemática. Apareceu em 1923 e, reeditada desde então, pertence ao património nacional ao lado das (açorianas) Ilhas Encantadas.
A reedição que folheio há longos anos é dos Estúdios Cor (Lisboa, s/d, anos ’60), prefaciada pelo saudoso escritor Manuel Mendes, que com ele conviveu, e lindamente ilustrada com fotos. O que me traz desta vez a Os Pescadores é um curioso livrinho intitulado História do batel ‘Vae com Deus’ e da sua companha (Matosinhos: Edium Editores, 2006). Autor, Raul Brandão.
O livrinho, afinal, documenta quanto o projecto do Autor lhe andou a balbuciar e a estrebuchar no juízo, à espera, para por fim se concretizar. Efectivamente, Raul Brandão seguiu carreira militar em Lisboa até se reformar (capitão) em 1912; casou e fez casa (que conheci) em Nespereira, Guimarães, e passava os invernos na casa de Lisboa. Foi após 1912 que, enfim, terá obtido tudo o que rogava: “Dêem-me um buraco e papéis.”
A curiosidade do livrinho está nas dez estórias que o Autor deu à estampa na revista “Portugal-Brasil”, de Lisboa, entre 1-01 a 16-07-1901, e ali recolhidas por A. Cunha e Silva com prefácio de Joaquim Pinto da Silva. Conclui-se logo: não há dúvida, os dez textos são um mero esboço, ou embrião, da Obra acabada e dada ao público em 1923. Porém, coca-bichinhos como eu, que folheámos efémeras revistas de publicação anterior a 1901, isto é, ainda do séc. XIX, ter-se-ão deparado por lá com uns “quadros marítimos”, ligeiros contarelos afins assinados pelo Autor…
Quer dizer, o tema de Os Pescadores de Raul Brandão, filho e neto de marítimos, parece ter nascido com a sua escrita e com o seu sentido trágico da existência - logo, muito cedo. A esta luz, compreende-se o apego brandoniano à imagem-arquétipo do Pobre e as expressões de assombro, espanto e remorso que nos deixou (porque “há dias em que a gente se sente responsável por todo o mal que se faz na terra”). E pobres eram igualmente lavradores, pastores, operários, gente que Brandão faria viver no grandioso projecto da história do humilde povo português que não chegou a concluir.
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