quinta-feira, 23 de abril de 2015

Redol e as ciências sociais


Hoje é “Dia do Livro”, eminente objecto de cultura infelizmente cada vez mais banalizado e de simples comércio. Tanto papel gasto ingloriamente como suporte de verbos de encher e de escrita criativa estéril-esterilizante, toneladas de folhas impressas que já poucos lêem e pouco ou nada trazem de novo. Porém, o “dia” convida-nos a reagir, de modo que o assinalamos para destacar um livro de autêntica cultura viva.
É o caso do volume Alves Redol: O olhar das Ciências Sociais (Lisboa, 2014: Edições Colibri) coordenado por Paula Coutinho e o filho do escritor, António Mota Redol. Resulta da leitura das obras redolianas promovida por antropólogos, sociólogos, etnólogos, geógrafos e outros cientistas sociais que participaram no congresso realizado entre 7 e 10-11-2012 na Universidade Nova de Lisboa e no Museu do Neo-Realismo, em V. F. de Xira. É, portanto, o fruto acabado das abordagens feitas no congresso por 29 especialistas que o volume recolhe em mais de 500 páginas.
Aquela leitura das obras redolianas lançou uma releitura que prossegue e se alarga. Alves Redol (V. F. de Xira, 29-12-1911 - Lisboa, 29-11-1969), consagrado como ficcionista logo com os seus três romances iniciais, Gaibéus, Marés e Avieiros (1939-1942), integrado no movimento neo-realista, mas também contista e dramaturgo além de autor de obras infanto-juvenis, é agora reavaliado à luz do primeiro livro que publicou, em 1938. Com efeito, o estudo Glória: uma aldeia no Ribatejo aparece agora no centro nuclear da obra global redoliana.
Em círculos de iniciados consta que um amigo de Redol apreciou o estudo, sem dúvida modelar (muito de saudar naquele tempo com especial admiração), ao ponto de perceber no trabalho de sociologia sobre a pequena comunidade ribatejana o génio do romancista que Redol iria ser. Aconselhou-o a guinar para a grande ficção e tão de acordo com a vontade profunda do próprio autor que Gaibéus apareceu no ano seguinte. E assim se iniciou o percurso aberto até Barranco de Cegos, 1961, e O Muro Branco, 1966.
A leitura especializada dos congressistas dissecou os dez romances, os volumes de contos e de estudos etnográficos e folcloristas redolianos, sem esquecer o teatro e as “sementinhas” infanto-juvenis. O contista de Fanga e Anúncio, outrora apontado como “o que andava junto do povo de caderno de apontamentos na mão”, está a ter a dignificação completa que afinal merecia, por sinal em coincidência com uma reaproximação dos leitores aos seus livros. Leitores decerto cansados do que circula demais sendo estéril-esterilizante e encontram refúgio na Literatura com real conteúdo.

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