sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dizemos que o rei vai nu

A opinião expressa dos portugueses mostra-se nestes dias arrumada em dois campos bem contrastados. Um recusa a «refundação do Estado» proposta pelo governo ultra-neoliberal, rejeitando com indignação e mesmo revolta as políticas de desgraça nacional; o outro campo apoia a prossecução das políticas do governo em nome de uma pretensa «estabilidade» que de estável nada tem, ou seja, apoia a continuação da crise e o aumento imparável da dívida soberana conforme a troika impõe. Entre os dois campos de opinião deve achar-se a velha «maioria silenciosa», a tal que ninguém sabe ao certo onde está porque não se manifesta.
De facto, o povo começou a aperceber-se deveras da verdadeira situação. Generaliza-se portanto a percepção de que o sistema capitalista mudou em geral e que mudou também o comportamento de governos ditos democráticos. Servem agora não os seus eleitores e sim a máxima concentração do poder financeiro, expressão de imperialismo.
Esses governantes, com o seu alegado combate ao défice e mais e mais e mais programas de austeridade (tão bons cristãos que eles são!) estão alegremente a pôr a rabiar de fome e a vasculhar nos contentores do lixo milhões de pessoas no país. Querem obrigá-las a aceitar a miséria, ou a miséria do salário mínimo nacional. Em vez de civilização, promovem a barbárie para agradar aos senhores das terras e dos céus sentados nos tronos dos seus tantos biliões e triliões - é preciso juntar forças e varrer do poder os partidos que há 35 anos o corrompem para começar uma vida nova em novo caminho.
Clamores enérgicos ressoaram por ruas, praças e avenidas a ferver de indignação, ali onde as massas populares se encontram, reconhecem e solidarizam. Os sonoros protestos do povo atroaram os ares e chamaram para a rua quem ainda dormia em casa diante do televisor. Uma interrogação salta agora: quem apoia hoje essas políticas de desgraça nacional?
Apenas os governantes, os dirigentes dos partidos coligados, alguns dos seus adeptos ferrenhos ou ceguetas e poucos mais. Aparentemente, só nesta minoria o governo encontra apoiantes (excluída a «maioria silenciosa», claro). Este cenário traz à lembrança a história do menino que aponta e diz que o rei vai nu.
Quem diz o rei diz o governo e quem diz o menino diz toda a gente capaz de soltar o grito que restabelece a verdade dos factos. Os cortesãos do rei, interesseiros, suportam-lhe as mentiras até que a gente descomprometida (e agredida) no caso grite «basta!». É esta a límpida moralidade da história... [Imagem: clique para ampliar.]

sábado, 1 de dezembro de 2012

Quem luta pela causa

A causa é humana e é universal, incontestavelmente. Consiste em lutar com a máxima entrega e a maior coragem pela democracia e o socialismo, aspirações as mais fundas e ardentes que percorrem pulsando no coração de sucessivas gerações. A legenda «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», bandeira da Revolução Francesa, enuncia essas mesmas aspirações latentes e sempre postergadas.
São aspirações irreprimíveis. Percorrem os séculos da história do mundo até aos nossos dias, sulcando-os de luminosas lutas, vitórias e derrotas num rasto imenso de sangue e sofrimento.  Nesse esplendoroso espelho é que a humanidade pode contemplar-se em retrato inteiro, de corpo e alma, sabendo que democracia e socialismo são as duas margens de um único caminho, o da emancipação em liberdade.
São, bem entendido, aspirações inesgotáveis como a esperança que povoa os sonhos dos povos humilhados e ofendidos. E são inesgotáveis porque assim são as lutas, travadas no terreno com vista ao melhor futuro coletivo, que atribuem o conteúdo real, mais ou menos largo, que tem ou pode ter a democracia ou o socialismo. Lembra-o com oportunidade o livro agora publicado Os Revolucionários (edição Anáfora, Lisboa, 424 pp).
O autor, escritor Manuel de Seabra, dedica a obra a Jacques Le Puil, Leonardo Freitas e Vimala Devi. Em nota, Leonardo Freitas (quem o não recorda à frente da Editorial Escritor?) regista o acrescento posterior, nesta obra, de três «valorosos militantes da luta por uma sociedade menos selvagem»: Manuel Pedro, Conceição Matos e António Gervásio, com retratos na capa. O leitor encontra nestas páginas uma vasta galeria de figuras exemplares.
São cerca de duzentas as figuras resenhadas em breves biografias, desde 133 antes da nossa era (com os Gracos, da primeira reforma agrária) até à atualidade. Portugueses são Militão Ribeiro, Bento Gonçalves, Catarina Eufémia, H. Palma Inácio, José Dias Coelho, Júlio Fogaça e Álvaro Cunhal; mas aparecem também Luís Carlos Prestes, Agostinho Neto, Samora Machel, entre outros. Naturalmente, poderão discutir-se algumas das escolhas feitas, mas é óbvio o interesse cultural da antologia. 
Finalmente, atendendo às inquinações e aos conformismos do tempo presente, convem sublinhar a semântica daquele título. Revolucionário é o ato insubmisso ou insurreto causador de mudança  e profunda renovação social. Não será esse o verdadeiro motor do progresso humano?

domingo, 25 de novembro de 2012

Porque se arruínam os Estados

Não há mais lugar para dúvidas: o chorrilho diário de subtilezas, enganos e mentiras nada pode contra tão fortes evidências. Agora até os mais distraídos percebem, com toda a clareza, o que se pretende com essa treta da «refundação do Estado». Não liquidaria apenas os derradeiros vestígios conquistados com a democratização do 25 de Abril; quer recuar mais para trás da previdência do Estado Novo salazarista, de negregada memória.
A cada ano, com cada orçamento, temos mais desemprego, mais paralisia económica, mais cortes de serviços públicos, mais endividamentos e dependências do exterior, ou seja, mais austeridade em acumulação irremediável. Todavia, os cidadãos vão pagando impostos mais e mais elevados e todos os sacrifícios que façam não chegam, alegadamente, para pagar as migalhas que ainda sobram do Estado social. Para onde vai então o dinheiro dos contribuintes?
Esse dinheiro vai saindo do país para pagar os juros das dívidas do Estado, mas acontece que essas dívidas e juros tem vindo a crescer loucamente, sem travão. Pergunte-se então que sorte de governantes endividam assim tanto os seus países ao ponto de os arruinar, deixando cativa a respetiva soberania. Faz-se lembrar, neste ponto, o Tratado de Maastricht, de 07-02-1992 - para ele somos remetidos.
No Artigo 104, o tratado consagrou a proibição de os bancos centrais de cada país financiarem os governos. Era e é uma condição inexplicável e notavelmente absurda, mas os governantes da zona euro assinaram-na e passaram a depender dos bancos (isto é, não diretamente do Banco Central Europeu) para obter financiamentos. Ora os bancos pedem e recebem os financiamentos do BCE a 1%, ou menos, e depois, emprestando ao Estado, obtem lucros chorudos de mão beijada. 
«Calcula-se que os Estados europeus vêm pagando à banca privada uns 350 mil milhões de euros por ano a título de juros desde que deixaram de ser financiados pelos seus antigos bancos centrais e depois pelo Banco Central Europeu» - afirmaram Jacques Holbecq e Philippe Derudder no estudo-denúncia La dette publique, une affaire rentable: A qui profite le système? (Paris, 2009), obra publicada em Portugal; quanto pagarão em 2012?! Uma demonstração concreta de que são os juros financeiros e não a despesa social do Estado a causa da dívida soberana deve-se a Eduardo Garzón Espinosa: «se os saldos primários que o Estado espanhol foi tendo desde 1989 houvessem sido financiados a uma taxa de juro de 1% por um banco central (como é lógico que deveria ter sido) o peso da dívida pública espanhola seria agora de 14% do PIB e não os 87% actuais». Por sua vez, Juan Torres López, professor de Teoria Económica na Universidade de Sevilha, sustenta que é «esse, portanto, o verdadeiro fardo que agora lastra [sobrecarrega] as economia europeias e não o peso insuportável, como querem fazer crer, do Estado Previdência.»
Conclusão: a alta finança especulativa, com o FMI à testa, entranhou-se na zona euro ao ponto de lhe inspirar as políticas e deixar a União Europeia em risco de implosão. O fim da moeda única é previsto pelo menos para os países sob «resgate» e, se tal ocorrer, teremos a consumação da desgraça. Vozes prudentes aconselham: mais vale antecipar a saída para minorar os custos... 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A faixa de Gaza, bloqueada e metralhada por Israel, sofre - até quando?!

sábado, 17 de novembro de 2012

Energias fósseis vão durar?

Vozes credíveis vinham avisando: o declínio da exploração mundial do petróleo iria acentuar-se nos próximos tempos. A quebra não se deveria só ao período de recessão socioeconómico em que se afundam tantos países e sim, principalmente, às reservas naturais planetárias que estariam a esgotar-se. Mas temos agora a novidade: o futuro das energias fósseis ainda parece radioso.
As explorações correntes do crude estão de facto a estagnar e a diminuir até à exaustão final. Porém, a quebra sofrida por esse lado vai ser compensada por outro. Depois de se atreverem a explorar os próprios fundos oceânicos, descendo até profundidades consideráveis (e perigosas: os custos ambientais tem sido enormes, mas a BP paga-os baratinho, por 4,5 mil milhões) e de avançarem sobre o Alasca, os capitães da indústria descobrem petróleo e gás natural em areias betuminosas e mesmo em rochas.
Essas novas áreas de exploração tornam-se viáveis e mesmo apetitosas decerto porque a cotação do produto vai trepar pela escala acima. Mas outra novidade se anuncia: neste quadro, os Estados Unidos irão ocupar o lugar cimeiro da produção mundial das energias fósseis no decurso de uns vinte anos, dispensando então, completamente, o recurso atual à importação. Consequências?
Se tal vier a acontecer, teremos o planeta condenado por mais umas quantas décadas a queimar energias fósseis e portanto a acumular os gases causadores do conhecido «efeito de estufa». Por outras palavras: a «economia do petróleo», adaptada à situação, continuará a expandir-se. Poderá dizer-se, assim, que o século XX, conturbado como ficou por esta «economia» tão cega, agressora e poluente quanto se sabe, irá alastrar através do século XXI.
O planeta inteiro será empurrado pelo «império do petróleo» para um verdadeiro cataclismo ecológico, com mudanças dramáticas que atingirão desgraçando inevitavelmente milhões de habitantes. A própria fisionomia de muitas zonas naturais sofrerá destruições apocalípticas às mãos gananciosas dos capitães da indústria. Se o governo dos EEUU o permitir, serão eles - bichos homens, com perdão dos bichos - os únicos a rir-se, sentados na hecatombe em cima dos seus novos milhares de milhões. [Foto: mancha de petróleo no Golfo do México, EEUU, derramado por plataforma da British Petroleum.]

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Menos justiça, menos liberdade

Um ponteiro serve para apontar mas agora vai servir para molhar a ponta na superfície de um tema. Na gota que fica a pender, iluminada por este sol frio de outono, aparece refletido o anúncio há poucos dias feito pela ministra da Justiça. Aquele e alguns outros ministérios vão ter menos 500 milhões para gastar no próximo ano...
Não vão ser eliminadas «gorduras» do orçamento. Vão ser eliminados serviços estatais de indiscutível e primeiríssima necessidade social. É nestes serviços que o governo ultra-neoliberal «economiza» mais e mais, cortando a eito, para deixar o Estado entregue aos donos dos bancos e às empresas dos amigos que os governantes tratam por tu.
O Estado é pago pelos cidadãos contribuintes mas cada vez os serve menos e acaba mesmo por não os servir conforme lhe competia. Estou de olhos postos na gota que, vergando ao seu peso, vai cair, e nela vejo, miniatural mas nítida, a imagem de um caso particular. Na miniatura pode perceber-se o resultado prático que vai ter o anúncio da ministra na cobrança coerciva de uma pequena dívida - um dos tantos processos que aos milhares e milhares entopem os tribunais.
Há anos o carro de um sujeito foi abalroado por outro num cruzamento da cidade. Os semáforos estavam intermitentes, no amarelo, desde há muitos dias, e o carro abalroado surgiu da direita - logo, tinha prioridade. Além disso, o para-choques foi embater sobre a roda traseira do lado do condutor atingido.
O choque foi ligeiro, mas, como o carro abalroador nada sofreu, a sua condutora alegou que os semáforos estavam a verde e recusou-se a assumir a responsabilidade. A polícia recolheu todas as provas, havia testemunhas e a própria câmara municipal documentou que, ali, a sinalização luminosa, avariada há meses, estava ligada a amarelo intermitente.
Não havia dúvida nenhuma, nenhuma escapatória: o seguro do carro causador do dano devia proceder à indemnização (a módica quantia de uns 1.300 euros, desembolsados). Último recurso: o tribunal. Porém, tão entupido ele está que o anúncio da srª ministra o dispensará de julgar o caso tarde e a más horas graças ao bendito dispositivo da prescrição.
Em suma, não há justiça que acuda os pequenos credores. E porque não há justiça (ficam impunes as patifarias dos pequenos que aprenderam a imitar os grandes), também não há liberdade. Assim, onde iremos encontrar escondida a democracia?

quinta-feira, 8 de novembro de 2012